domingo, agosto 26, 2012

Fotografias de António Barreto na revista Egoísta.


Revista Egoísta, edição de Junho de 2012


Deserto do Sara, Argélia 1973


Imagens Perdidas
Fotografias de António Barreto

Selecção e organização de Ângela Camila Castelo-Branco


        Há propostas de trabalho que nos atraem, mas inquietam. Patrícia Reis, na sua persistente vontade de surpreender, resolveu quebrar os preceitos habituais de formato de publicação da revista Egoísta, decidindo que a edição de Junho de 2012 seria redonda como a Terra. No seguimento da apresentação de um outro portefólio de fotografias de António Barreto, realizado para a revista anual da Fundação Eugénio de Almeida (América’78 - Kodachromes de António Barreto), a editora desafiou o fotógrafo a contribuir com um conjunto de 12 imagens para o número 49 da Egoísta, sob o tema “Noite”.


Se o tema, dado a múltiplas interpretações, permitia fazer correr livremente a imaginação, já o formato da publicação desestruturava, a priori, toda a lógica de concepção e enquadramento concebido no acto fotográfico. A fotografia, enquanto  resultado de um espaço figurativo perspectivado pelo fotógrafo, obedece também a uma organização que é limitada pelo plano focal do aparelho. Captamos imagens através de visores de vários formatos: rectangulares, quadrados ou redondos. Na ausência de manipulação, seja por distorção, sobreposição de negativos, montagem, ou intervenção do Photoshop,  o resultado final é sempre confinado a dois formatos: quadrado e rectângulo; redondo é que nunca, se exceptuarmos os primeiros rolos da Kodak ou as fotografias obtidas a partir das câmaras Pinhole.

Apesar de ter presente que o olhar do fotógrafo constitui o essencial do acto fotográfico, seleccionar e organizar um conjunto coeso, que obedecesse ao critério atrás descrito, proporcionou discussão e obrigou a uma reinterpretação das imagens. Uma tarefa trabalhosa e entusiasmante, tanto mais que António Barreto participou e teve sempre voz activa na decisão da escolha final.

O presente conjunto de fotografias respeita uma narrativa evolutiva em diversos momentos e situações da actividade humana. Nem sempre aquela mudança resulta no desaparecimento de uma actividade, quase sempre evidencia a transformação ou adaptação da mesma a uma outra realidade. O fotógrafo mostra-nos a agricultura, o comércio, o trabalho, o pão que nos chega à mesa e o lazer, em especial a terra da qual tudo podemos esperar: a aridez oxidada dos desertos, a passividade com que é rasgada e preparada para receber as sementes, a generosidade com que nos recompensa nas colheitas.

As 12 fotografias aqui intencionalmente geminadas, procuram mostrar “Imagens Perdidas”. São fragmentos de vidas e rotinas dispersas no tempo, intemporais portanto mas, apesar de tudo, imagens que se sentem à vontade no presente. Assim, o homem montado num jumento transportando folhas de palma, segue o seu caminho pelas areias do deserto, indiferente à estrada de asfalto que o ladeia (M’zab, Argélia 1973). Por ventura, a sua resistência ultrapassa a das modernas viaturas, cujas carcaças sucumbem à areia dos desertos, como testemunha o esqueleto de um “carocha” no deserto do Sara, fotografia do mesmo ano na Argélia. Ainda no norte de África, e daí para o sul da Europa, apenas dois anos separam a fotografia do costureiro “berbere”, que ganha a vida com uma máquina de costura em Beni Esguen, da fotografia em Lisboa onde conversam à janela de um primeiro andar do número 141 da Rua Augusta os alfaiates da Eugénio de Moraes, Lda.

Das vindimas no Douro ao casal que semeia na Beira Litoral, a agricultura sempre presente, imagens marcantes de um país que, contudo ainda hoje importa quase metade dos produtos alimentares que consome. Com o olhar fixo na câmara de António Barreto, o vendedor de alhos, em Ponta Delgada, é observado com espanto por um rapaz descalço que calcorreia a calçada negra da cidade com a mesma vivacidade com que os meninos em Argel se apressam a levar o pão para a mesa que os espera. Em Angra do Heroísmo, ao olharmos com uma certa nostalgia a fachada do Café Atlântico, distribuidor de espumantes e vinhos das Caves Monte Crasto, esquecemos que os líquidos que a boca pede são fruto de trabalho árduo suportado por homens que, até ao fim do ciclo da vindima, podaram, enxertaram, cavaram, colheram e transportaram às costas os cestos carregados com 60 quilos de uva.

Trinta a quarenta anos nos separam destas fotografias que parecem fazer parte de uma realidade longínqua. Mudaram os transportes, substitui-se a força braçal pelas máquinas, intensificou-se a produção, alargaram-se fronteiras... Para melhor ou pior, em continua batalha de criatividade, o engenho e a arte do homem transformaram a natureza!

Ângela Camila Castelo-Branco


M' zab, Argélia 1973



      Douro 1975                   Beira Litoral, ca. 1975


      Argel, Argélia 1973                Tourém, Trás-os-Montes 1982


     Ponta Delgada, Açores ca. 1980       Angra do Heroísmo, Açores 
                                                                  ca. 1980

                          Beni Isguen, Argélia 1973          Lisboa 1975

                Grécia 1975                 Budapeste, Hungria 1974


António Barreto
 © Fotografia Ângela Camila Castelo-Branco

quarta-feira, agosto 22, 2012

Paisagem Humana - BESarte colecção Banco Espírito Santo.


Copo de água, 2005 Prova cromogénea de ampliação digital (Processo LightJet Lambda) · 120 x 120 cm · Edição 2/3.

Adelina Lopes 1970, Braga, Portugal






Sem título (Red Kitchen), 2004
Prova por revelação cromogénea, colada sobre alumínio · 90 x 117 cm · Edição 5/6.
Aino Kannisto 1973, Espoo, Finlândia




The Park (II), 2002 Prova por revelação cromogénea, colada sobre alumínio · 130 x 170 cm · Edição de 3/5 + 1 PA.
Sarah Jones 1959, Londres, Reino Unido




Football Face, 2002.
Prova revelação cromogénea, em papel Fugi Crystal Archive
66 x 54 cm. Ed. 13.
Irving Penn 1917, USA.










Nei Reesan Shehr Lahore Dlyan
(There is no match of the city of Lahore), 2006.
Impressão lenticular montada em alumínio. 86 x 114.3 cm.
Prova de Artista Ed. 7 + 2 P.A / P. A.
1970, Paquistão.








Marina Abramovic 1946, Jugoslávia.

Homem Magnético, 2004 Prova cromogénea de ampliação digital (Processo LightJet Lambda) · 160 x 140 cm · Edição 2/3 + 1 PA.
João Maria Gusmão e Pedro Paiva 1979, Lisboa, Portugal / 1977, Lisboa, Portugal


Still live (02.10 a 21.10 2009), 2010.
Prova por revelação cromogénea.
180 x 315 cm. Edição Única.
Michael Wesely 1963, Alemanha.



Três limões, série "O ofício de viver", 2010.
Prova por revelação cromogénea. 70 x100 cm.
Ed. 3/3 + 2 P.A / P.A.
Daniel Blaufuks 1963, Lisboa, Portugal


Green Staircase #4, 2003
Prova por revelação cromogénea s/Plexiglas 152 x 122 cm
1953, USA.


Horóscopo, 2004 Prova cromogénea de ampliação digital (Processo LightJet Lambda) · 126 x 156 cm · Edição 1/3
Duarte Amaral Netto 1976, Lisboa, Portugal




Sem título (Isabel e Mariana), da série Pli, 2004
Duas provas cromogéneas de ampliação digital (Processo LightJet Lambda) · 34 x 60,5 cm · Edição única + PA
Cecília Costa 1971, Caldas da Rainha, Portugal


Íris, 2011
Print digital sobre papel Hahnemulle
Ed. 5 + 1 P. A/ P. A
Pierre Gonnord 1963, Cholet, França








Eva, 2003 Prova cromogénea de ampliação digital (Processo LightJet Lambda), colada sobre Diasec · 100 x 100 cm · Edição 2/3
Pierre Gonnord 1963, Cholet, França




Two of us, Shibam, 1995
Prova gelatina sal de prata, colada sobre aluminio
80 x 120 cm Ed. 1/3
Paulo Nozolino 1955, Portugal.


Francisco, 2001 Prova gelatina sal de prata · 124 x 124 cm · Edição de 3 + PA Eurico Lino do Vale 1966, Porto, Portugal


Sarah, da série Grief, 2007
Processo LightJet Lambda
100 x 178 cm Ed. 8/10
Erwin Olaf 1959, Holanda

The Dentist, 2002
Prova por revelação cromogénea · 122 x 163 cm ·
Edição 3/5 + 1 PA
Hannah Starkey 1971, Belfast, Irlanda do Norte, Reino Unido



As fotografias de Hannah Starkey (1971, Belfast, Irlanda do Norte, Reino Unido) resultam, no essencial, de uma espécie de encenação onde todos os pormenores são pensados para projectar uma extrema presença da imagem. Combinando o rigor da elaboração dos espaços com as personagens que os habitam momentaneamente, Starkey procura representar uma espécie de intervalo, um in between da acção quotidiana. Por outro lado, interessa-lhe representar uma centelha de suspensão particularmente atenta ao universo vivencial feminino. Mulheres ou raparigas povoam a maioria das vezes estas imagens que mantêm uma ambiguidade de leitura entre a realidade e a ficção. Há como que um desejo de congelar o tempo, mas não no sentido entusiástico da tradição fotográfica de captar o instante. Aqui procura-se sobretudo uma sensação visual de intemporalidade simultaneamente familiar e distante. É da presença quase estática das figuras que emana o sentimento de enigma sobre a verdadeira natureza destas imagens.
ao mesmo tempo criar ambientes narrativos que nos escapam, apesar do aparato e densidade visual, numa estratégia de comunicação deceptiva, frustrando qualquer contextualização mais precisa ou conclusiva. Isso pode ser confirmado em The Dentist (2002) e Newsroom (2005), duas fotografias de grande escala que remetem para acções suspensas, que parecem conservadas pelo cuidado encenado dos gestos, da pose, mas também de todos os objectos que enquadram as personagens. Espécie de encenações que imitam a realidade, estas imagens traduzem ainda uma paradoxal envolvência entre a fragilidade das figuras e a construção social dos espaços onde se apresentam. Persuasiva, no entanto, Starkey mistura a banalidade das rotinas quotidianas com uma certa densidade de significados. Ao jogar com o voyeurismo solitário do observador, esta artista britânica acentua o processo de isolamento de ambos os domínios. As suas figuras parecem assim comunicar precisamente na medida de uma partilha de evasão e indiferença perante a realidade evocada. Tal como o observador se abstrai, no exercício de uma contemplação silenciosa, as personagens femininas que aqui vemos confirmam esse poder de comunicação evasiva que se mantém, apesar de tudo, entre a imagem e a experiência da sua recepção.

David Santos

Bibliografia seleccionada Iwona Blazwick, Hannah Starkey. Photographs 1997-2007, Steidl, Göttingen, 2008. Hannah Starkey, Irish Museum of Modern Art, Dublin, 2000. A Project for the Castle, Hannah Starkey, Castello di Rivoli, Turim, 2000.


Self Portrait You+Me (Jayne Mansfi eld), 2006 Prova por revelação cromogénea, queimada · 90,5 x 80,5 cm · Edição única
Douglas Gordon 1966, Glasgow, Escócia








The Lesbian Project (3), 1997 Prova por revelação cromogénea · 56,51 x 74,29 cm · Edição 4/5
Nikki S. Lee 1970, Kye-Chang, Coreia do Sul





A Woman with a Covered Tray, 2003
Transparência cromogénea, montada em caixa de luz ·
182,8 x 227,6 x 26 cm · Edição 3/3

Jeff Wall (1946, Vancouver, Canadá) é um artista e um reconhecido ensaísta, autor de textos que influenciaram decisivamente a forma como olhamos não só para a fotografia, nomeadamente a chamada fotografia conceptual, como para a questão da imagem em geral. O seu trabalho fotográfico tornou-se conhecido na Europa principalmente a partir do momento em que foi convidado, em 1981, para a Documenta 7. As imagens deste artista caracterizam-se por uma enorme atenção ao detalhe, ao tema, à composição. Apaixonado pela história da pintura, perseguiu a forma de traduzir para a arte contemporânea, para a nossa sociedade tecnologicamente avançada, a sofisticação alcançada pelos pintores que admirava, como Eugène Delacroix e Edouard Manet. Fê-lo empregando simultaneamente ferramentas associadas à pintura antiga – referências históricas, composição meticulosa – e aos mundos do cinema e da publicidade: não só procede como um director de cinema, criando autênticos guiões, procurando cenários, dirigindo actores, como a partir de determinado momento se tornou a sua imagem de marca a apresentação das fotografias em caixas de luz, como as que servem para iluminar anúncios publicitários. Desta forma, Jeff Wall conseguiu estabelecer uma ponte entre alta e baixa cultura, entre o antigo e o moderno, ao mesmo tempo que reintroduzia na fotografia, ou na arte experimental, uma característica que então lhe estava vetada, pelo que representava de anacronismo: narratividade. No fundo, aquilo que este artista ensaia constantemente é uma síntese entre as tradições estéticas de vanguarda e a cultura de massas, recuperando o passado, a grande arte dos museus, ao mesmo tempo que participa, embora criticamente, na sociedade do espectáculo.

Ricardo Nicolau

Bibliografia seleccionada Jeff Wall, Jeff Wall. Selected Essays and Interviews, The Museum of Modern Art, Nova Iorque, 2006. Theodora Visher and Heidi Naef (org.), Jeff Wall. Catalogue Raisonné 1978 – 2004, Schaulager, Basileia, Steidl, Göttingen, 2005. Jeff Wall. Tableaux, Astrup Fearnley Museet for Moderne Kunst, Oslo, 2004 Jeff Wall. Space and Vision, Lenbachhaus, Schirmer/Mosel, Munique, 1996. Jeff Wall. Transparencies, Schirmer/Mosel, Munique, 1986.

 







Cindy Sherman (1954, Glen Ridge, Nova Jérsia, EUA) tem encontrado veículos surpreendentes para pensar os estereótipos relacionados com as questões de género, de uma forma não declaradamente feminista. Sherman utiliza, desde meados dos anos de 1970, o seu próprio corpo como modelo e recorre à encenação e ao uso de disfarces. Apesar de se movimentar sempre na esfera da fotografia não se considera fotógrafa pois concentra em si outros papéis, como o de actriz, modelo e realizadora. As metamorfoses que Sherman efectua ao simular novas identidades são impressionantes, a ponto de, muitas vezes, as suas feições serem absolutamente irreconhecíveis. Todavia, o propósito da artista não é a auto-representação ou o retrato no sentido convencional. O que lhe interessa é a mise en scène de clichés, como na série nuclear Untitled Film Stills, parodização do erotismo convencionado pelo cinema e pela publicidade. As raparigas representam modelos imediatos de sedução inspirados nos filmes de série B dos anos de 1950 e 1960. O facto de serem stills remete para a imagem parada de um filme, momento fixo de uma narrativa. Segundo Rosalind Krauss, Cindy Sherman edifica simulacros, cópias sem original, pois o que ressalta da observação é uma sensação de dejá vu, quando, na verdade, o filme a que se referem as imagens não existe. A artista dedicou-se a esta série inicial entre 1977 e 1980 e é considerada a mais emblemática e subtil do seu trabalho. Sem título (2004) pertence à série Clowns, que incide sobre o tema do palhaço e sobre a visão cultural desta figura-tipo. Sherman radica o medo inspirado pelo palhaço no contexto americano, mercê da excessiva mediatização através da publicidade. Trata-se de uma série muito psicológica, na qual se percorrem vários estados de emoção. Ambas as fotografias são bem representativas do percurso da artista, e congregam elementos chave para a leitura da sua obra. O Museum of Modern Art (Nova Iorque) acolheu, em 1997, a sua exposição individual intitulada The Complete Untitled Film Stills.

Luísa Especial

Bibiliografia seleccionada Cindy Sherman, Jeu de Paume, Flammarion, Paris, 2006. Johanna Burton (org.), Cindy Sherman, The MIT Press, Cambridge, 2006. Cindy Sherman: Clowns, Kestnergesellschaft, Hanôver, Schirmer / Mosel, Munique, 2004. The Complete Untitled Film Stills, The Museum of Modern Art, Nova Iorque, 1997. Cindy Sherman. Untitled Film Stills, Rizzoli, Nova Iorque, 1990


Sem titulo #477, 2008
Prova por revelação cromogénea
148 x 146 cm. Ed. 3/6
Cindy Sherman 1954, USA